SOLDIER reinventa a 6-Inch Zipper Boot da Timberland
O artista radicado em Londres nos guia pelas inspirações e intenções por trás de The Tiger.
Para SOLDIER, força é menos um poder e mais uma porosidade do ser. É uma busca delicada pelo mundo, guiada por imaginação, vulnerabilidade e propósito. Nos últimos anos, o artista nascido em Lagos e radicado em Londres consolidou seu nome no circuito global ao usar obras multimídia como linguagem de autorreflexão e comentário social, sempre com a intenção de levar criativos de mesma sintonia nessa jornada. Seu trabalho se ancora na transformação: de si mesmo, dos espaços e da forma como nos conectamos ao entorno.
Agora, ele se une à Timberland para o segundo projeto criativo da dupla, deixando sua assinatura na icônica 6-Inch Zipper Boot. Batizada de The Tiger, a peça explora a camuflagem — marca registrada de SOLDIER como símbolo contracultural — em listras ousadas que acenam tanto ao streetwear quanto à herança militar. O modelo também resgata o cultuado colorway “beef and broccoli” — clássico do street style nova-iorquino —, ancorando o design na história cultural ao mesmo tempo em que leva o visual e o tato da bota a um novo patamar.
Assim como a sua releitura da Yellow Boot — e como toda a sua obra — The Tiger é uma ode à rebeldia, à autoexpressão e ao ato de viver fora da rota convencional. Para celebrar o lançamento, batemos um papo com SOLDIER sobre a poética da camuflagem, as inspirações por trás da bota e o poder da arte de refletir e ressignificar o mundo. Leia a entrevista completa a seguir.
‘Que símbolo consegue reunir minhas memórias, quem eu sou e o que quero representar?’ A camuflagem veio à mente… era a chance de ressignificar algo e transformá-lo em beleza.
Como foi unir forças com a Timberland para dar vida ao The Tiger?
As lace-ups do ano passado foram super bem recebidas, então é ótimo poder continuar essa narrativa entre mim e a Timberland. Desta vez eu queria ir além, e tem sido incrível colocar as ideias no papel, desenvolver roupas e permitir que as pessoas vivenciem meu trabalho em um formato diferente.
Você pode nos guiar pelo design e contar algumas das inspirações por trás das botas?
Sem trocadilho — a The Tiger é selvagem. Quando pensamos em Timberland, logo vêm as clássicas lace-ups ou botas de hiking, mas desde o início recebemos uma silhueta totalmente diferente. No começo foi um desafio — entender que visual e que sensação eu queria —, mas, aos poucos, mergulhei no processo e acabei criando algo único, realmente raro.
“Beef and broccoli” é um colorway clássico. Eu não cresci nos Estados Unidos, mas, principalmente pela combinação de verde e marrom, dá para sentir como a influência de Nova York permeia tudo. Crescendo, eu ouvia Tupac enquanto cortava o cabelo em barbearias no centro de Lagos. Eu não sabia nada sobre ele — mal falava inglês na época. Então, de certa forma, esta bota é a soma de todas essas referências.
Qual o papel da camuflagem no seu trabalho como um todo?
A maior parte do meu trabalho explora a camuflagem como metáfora. Quando comecei a andar de skate, a WAFFLESNCREAM e o meu coletivo Motherlan foram pioneiros em Lagos. Eu via a estampa em calças e shapes, mas logo descobri que civis não podiam usar camuflagem por lá. Cheguei a ser parado pelo exército.
Quando ganhei uma bolsa e me mudei para Londres em plena COVID, perguntei a mim mesmo: ‘Que símbolo reúne minhas memórias, quem eu sou e o que quero representar?’ Veio a camuflagem. Primeiro, pelas minhas vivências; segundo, porque sou totalmente contra a guerra; e terceiro, porque significava resgatar algo criado pelo homem que, à primeira vista, não era positivo, mas poderia se tornar belo. A camuflagem nasce a partir de padrões florais; ela é guiada pela função, não pela guerra.
Você bebe de vários lugares do mundo e o uso da camuflagem fala sobre transitar por esses espaços com naturalidade.
As pessoas são muito mais do que seu lugar de origem. Eu, por exemplo, nasci e cresci em Lagos, mas a experiência humana é o conjunto de tudo o que absorvemos pelo mundo afora. Todo mundo deveria ter o direito de circular, viajar e viver experiências incríveis, porque delas nascem coisas muito especiais.
As botas estão sendo lançadas como se fossem um art drop. Como você imagina que elas circulem por aí?
Quis que fossem como uma print de edição limitada. Foram produzidos apenas 50 pares, então vai ser difícil conseguir um. E, como toda obra de arte, queremos mantê-las raras.
Durante o design, queríamos nos afastar totalmente do look urbano clássico e criar algo com vibe off-grid. Um tipo de bota que você calça e tanto faz: pode estar numa fazenda, na estrada ou simplesmente explorando por aí. É assim que tenho me sentido: mais na vida real, mais no mato. Meu estúdio fica ao lado de um rio, então passo a maior parte do tempo em meio à natureza. Existe em mim esse desejo de sair do grid, escapar do estresse da cidade e das redes sociais — e a bota traduz exatamente essa sensação.
Existe uma parte de mim que quer sair do grid, escapar do estresse da cidade e das redes sociais — e a bota captura exatamente esse sentimento.
Desde a sua primeira colaboração com a Timberland, como você enxerga a evolução do seu trabalho?
Eu era muito jovem — 23 anos — e meu processo era bem mão na massa, bastante cru. Agora há um novo nível de refinamento no meu trabalho, algo que transparece em The Tiger. Meu objetivo hoje é esse: preservar a intensidade emocional enquanto alcanço um grau maior de sofisticação.
Seja na arte ou na moda, o que você quer que as pessoas levem do seu trabalho?
Faço e observo arte a vida inteira, mas, conforme fui crescendo, percebi que não me sentia representado pelas obras ao meu redor. Por um tempo tudo parecia distante, como um brinquedo reluzente que você não pode tocar. Na música e na moda, vemos muita gente se divertindo e mergulhando nesses universos, mas, na arte, isso era bem mais raro.
Quero simplesmente compartilhar todas as minhas experiências. Quero criar para uma versão mais jovem de mim mesmo, alguém como eu, que possa enxergar no meu trabalho um porto seguro. É a maneira que encontrei de compreender e dar sentido ao mundo em que vivo — e de expressá-lo. Minha obra pode ser usada politicamente, para se posicionar, para mudar a opinião das pessoas — é isso que ela significa para mim.
Eu acredito na beleza. O mundo precisa ser um pouco mais bonito — passamos tempo demais lidando com sistemas feios — e a beleza ameniza as arestas: como chegar em casa e encontrar um quadro lindo ou lilases ao lado da madeira. Gosto da estética de tudo.
Que conselho você daria a artistas que estão começando?
Nem sempre vão te dar espaço para falar, então você precisa encontrar sua própria forma de dizer. Eu decidi me tornar artista já ciente das dores que isso traz, mas, se você encontrar algo que ama e se agarrar a isso custe o que custar, ninguém poderá tirar de você.

















